Seu Raimundo veio trabalhar no nosso condomínio como zelador há um ano e alguns meses.Responsável,discreto, organizado. Extremamente timido. No inicio teve muitas dificuldades no relacionamento com os moradores. Estava sempre cabisbaixo, não olhava prá ninguém. William andou comentando " ele é estranho... será que é normal? e outras indagações. Pedi um tempo e começei a prestar atenção ao seu Raimundo, levou um mês para olhar para mim quando puxava algum assunto com ele. Depois de algum tempo, já conversava, brincava até... No ultimo Natal coordenei a festa do prédio , me ajudou muito com a organização, iluminação externa, enfeites.
Desempenhava seu trabalho como nenhum outro zelador que passara por aqui. Tinha conhecimento de tudo que acontecia no prédio.
Sabado passado conversamos pela manhã, nada percebi. E na segunda-feira soubemos pela Firma que presta serviços ao prédio que Seu Raimundo desistiu de viver. Foi encontrado por sua sobrinha enforcado no quarto onde morava.
Estou profundamente chocada, sensação de perda, de fracasso. Procurei a Firma, pedi seu endereço, fiz perguntas a cerca do ocorrido, resolvi visitar sua mãe , ela precisa saber que seu filho era uma pessoa exemplar, solidária, grande nos seus trinta anos. O chefe dos zeladores me perguntou admirada com minhas perguntas" e a senhora é de alguma organização? algum Conselho? respondi: não faço parte de nada , é minha filosofia de vida.
Seu Raimundo, queria muito ter podido te ajudar, mas não pude perceber que o senhor não estava bem. Deus te receba e acolha.

Nossas crianças voltaram hoje para casa. Sempre preciso de um tempo para acalmar meu coração.Guardei os brinquedos que ficaram, fechei a porta do quarto, só vou arrumar na próxima semana, dormi a tarde inteira e achei que tudo estava bem. Não é tão fácil assim...já ouvi o choro da Mariana, o chamado do Pedro e a risada do Matheus. A cada vez que chegam é uma experiência diferente, nossas conversas são maravilhosas, engraçadas, me abasteço desse amor puro e verdadeiro. A minha relação com Pedro e Matheus é um misto de avó e de mãe, e por isso tenho um sentimento diferente com êles, um senso maior de responsabilidade, uma preocupação de que se tornem pessoas responsáveis, comprometidas, solidárias e verdadeiras. Preciso " trabalhar" melhor meus sentimentos, para enfrentar melhor cada partida , sempre é cada vez mais dificil´enfrentar estes dias após a volta deles.

Estes dias tenho me lembrado da Maria Antonia.
Quando ela chegou na nossa casa, vinda dos sertões dos Inhamuns, Jonas tinha um ano e quatro meses. Era uma criança inquieta e inteligente e ela foi babá dele por seis meses, época em que ele foi para a escola. Passou a assumir os trabalhos domésticos durante três anos. Quando Mila nasceu ela pediu para voltar ao " seu posto"
Seis horas da manhã. Ela aparecia na porta do quarto, não atrasava um minuto, nunca.Roupa impecável,lenços no cabelo,sempre bem humorada, segurando a mamadeira esperada.Tudo era feito com zelo e carinho.Nunca tive nenhuma preocupação de deixá-la aos seus cuidados e ia tranquila para o trabalho. Quando Mila foi para a escola com três anos, foi acertado que ela ficaria responsável novamente pelos serviços domésticos, e assim foi durante sete anos.
Foi então anunciada a chegada inesperada da Mariana que trouxe uma outra luz, completando a estrela de cinco pontas de que falava minha mãe. Novamente Maria voltou para o " seu posto". Dedicada, responsável, conversadeira,disponivel,participava de tudo e opinava em tudo também. Mas... depois de um ano Maria se apaixonou perdidamente por alguém que não a merecia. Da desilusão veio a decisão: foi embora prá "Sum Paulo".
Nunca mais voltou, não sabemos noticias dela há 16 anos, mas somos muito gratos a toda ajuda que nos deu.
A babá que veio de São Paulo me trouxe lembranças de Maria . Não existe mais babá como antigamente...