domingo, setembro 09, 2007

Lucas com três meses. O chamego da vovó

quarta-feira, setembro 05, 2007

Anoitecia... foto do Açude do Papoco




Saímos cedinho, estrada tranqüila, bem sinalizada. Nuvens prometendo uma chuva que veio fraquinha, fraquinha. Fomos conversando e cantando para disfarçar a vontade de chegar mais rápido. Paramos na entrada de Canindé para fotografar o São Francisco, imenso, protegendo toda a região e tantos romeiros que a Ele pedem graças. Em Madalena, fotografamos a Igreja matriz, sempre quis fazer essa foto, mas sempre deixava para depois. A igreja é muito bonita, e chama atenção quando se passa na estrada. Em Boa Viagem, paramos o tempo de William saborear aquele pastel, grande, gorduroso que parece está cheio de vento.
Chegamos em Tauá às 11h. Foi aquela alegria, tínhamos acertado nossa ida há quatro meses, foi um pedido da Babi e da Idel, que participássemos da homenagem que o vovô receberia da Maçonaria.
Almoço maravilhoso feito pela Gertrudes e Rosário com aquele carinho que se recebe naquela casa. Galinha caipira, farofa com manteiga da terra, feijão verde e salada. Doces e pudins. As tias saíram para a loja, William deu seu cochilo e fiquei passeando naquela casa comprida, comecei pela sala da frente, examinei cada foto da parede, lembrei da entrevista que gravamos com o vovô na ultima festa do seu aniversário, abri as janelas e fiquei observando o movimento da rua, uma quinta-feira e parecia o dia de feira do meu tempo de criança, movimento desordenado de carros, motos, bicicletas, e de pedestres descuidados, uma cidade que inchou e que já merece uma sinalização de trânsito.
Lembrei da criança que correra e brincara naquela rua comprida, muitas vezes descalça, livre, das brincadeiras na pracinha, das serenatas das férias e das cadeiras na calçada. A tardinha ficava na calçada esperando que o vovô chegasse da padaria, sentava na cadeira de balanço, eu corria pra tirar o seu sapato, calçava as suas chinelas e aí era a hora do carinho, do afago, me colocava no colo, passava aquela mão grande no meu cabelo e sorria das minhas conversas. E como aquele colo foi importante para aquela menina.
No primeiro quarto, sentei no banquinho da penteadeira da Lala e tive saudades do seu jeito alegre, divertido, do seu perfume de todo dia, da cama do vovô e do guarda-roupa que eu acreditava ser cheio de mistérios e de roupas bonitas que ela usava. No outro quarto entre tantas imagens a de Nossa Senhora Santana, que Lala me prometeu um dia, mas que nunca falei dessa promessa.
Na sala o relógio na parede, lembrei da história que mamãe contou. Minha tia Iracema estava cantarolando: "o relógio da sala está parado " e meu avô aborrecido respondeu: "quem mexeu no relógio, se já dei corda nele?". Na outra sala a mesa grande, onde tantas vezes vi meu avô almoçando nos dias de feira, com os moradores da fazenda, ficava observando tudo, era a hora de perguntar pelos filhos, pelas tarefas da roça, pelo gado, era hora de compartilhar os problemas e de passar carão também. Ainda criança vivi a prática da lição de que todos são iguais e merecem respeito. Procurei no quintal a pedra onde ficava sentada, ouvindo as canções da De Lourdes, enquanto preparava o almoço, quando vovô reformou a casa fez uma calçada que cobre a pedra. Com De Lourdes aprendi a cantar Lupicinio Rodrigues, Antonio Maria, letras de música que nunca esqueci. Saudade dos tios, dos primos, das viagens animadas. Foi uma viagem no tempo, que me lavou o peito de alegria.
À tardinha, fomos no Cemitério, depois de dezesseis anos, lá estava eu, caiu um choro lento, tranqüilo, mas a cabeça ficou apertada naquele momento. Era um choro diferente, novamente a criança externava a sua saudade envolta num profundo choro de agradecimento àquele homem tão importante na sua vida, que debaixo daquele rosto sério, guardava um poço de ternura.
À noite fomos a solenidade da Maçonaria, a escola João Firmino de Araújo completa vinte seis anos. Muita gente, muitas crianças, maçons e acácias alegres em comemorar a festa no dia do aniversário do seu patrono. Fomos recebidos com muito carinho. Programação religiosa, dirigida por um evangélico, um maçon, e uma católica. Eles falam do vovô como se ele estivesse presente, é uma maneira tão delicada como falam da história dele, que é dificil pra mim, descrever. O trabalho da escola é muito sério e desenvolvem junto às mães de ex alunos, cursos profissionalizantes. Tive acesso à caixa dos retratos e albuns, William fez umas setenta fotos. Retratos que constroem histórias de uma família imensa, já mandei para alguns primos que muito se alegraram, li anotações do vovô, das tias queridas, Iracema e Luzia, cartas, cartões. Conversamos até tarde, o dia terminou, cadeiras na calçada, conversa sem pressa, novidades da cidade.
Na sexta-feira fomos visitar a Igreja onde me batizei, me crismei e participei, vestida de anjo do cortejo na primeira visita de Nossa Senhora de Fátima, vindo em peregrinação de Portugal. Tentei encontrar o Padre Mauricio, amigo da minha mãe, infelizmente não o encontrei. É francês e está em Tauá há vários anos, desenvolvendo um trabalho sério na paróquia. Com a ajuda da comunidade e de uma organização francesa, construiu uma linda Igreja, orgulho dos tauaenses. Xixico está ótimo e conversamos sobre as nossas danações de criança, ele tinha um cavalo bonito e corredor. Ele dava uns passeios comigo na garupa, mesmo bem mais novo do que eu, era ele quem comandava o cavalo, sempre tive muito medo de cair e me machucar.
Foi outra alegria descobrir a família da Maria Antonia. Maria foi babá dos nossos três filhos, foi para São Paulo em 83 e nunca voltou. Suas irmãs e sobrinhas nos receberam com muita alegria, e depois de vários telefonemas pra São Paulo tenho uma pista para encontrar a Maria. Quem sabe vou ajudar para que ela possa vir abraçar seus parentes. Jonas já vem me cobrando há muito tempo, quer encontrar a Maria em São Paulo e a Mila depois do nascimento do Lucas, também me fez esse pedido. A loja das "meninas", como dizia meu tio Firmino, não funcionou à tarde. Fomos para o Sabuji, a merenda na casa da Maria foi uma maravilha, Maria faz parte da terceira geração que habitou o Sabuji, é da família do coração. Tapioca, bolo, coalhada de primeira, terminamos na Casa Grande, o vento frio... nem parecia que estavamos em Tauá, "vontade de ficar mas tenho que ir embora". Seis horas de sábado, voltamos a Fortaleza, agradecendo as tias pela oportunidade de viver momentos tão felizes, tão intensos, em tão poucas horas. Voltamos cheios de presentes, ovo caipira, queijo, manteiga da terra, peixe da água doce, doce de leite, sabonete... Comprei um conjunto de cadeiras de palhinha que a Toinha estava vendendo. Fora dos pais da D. Nenem Jataí, que era catequista da Igreja. Toinha morou com vovô durante dezoito anos, agora trabalha com roupas de cama e mesa, coisas lindas, e é queridíssima da família toda. Fiz um propósito de voltar a Tauá uma vez por ano. Essa viagem me fez um bem enorme, e me lembrarei sempre com muito carinho.