terça-feira, maio 11, 2010

DIA DAS MÃES

hoje o disparatedodemo se dobra para homenagear a dona de tudo: SHE. RITA. by disparatedodemo

minha mãe, minha rita,

pedi a deus que acordasse meio dia, pois tenho estado com cada vez mais vontade de dormir dia de domingo. quando acordo me dá um desengano, uma espécie de arrependimento. mas ainda assim durmo pensando em acordar meio dia mais que durmo pensando em acordar viva. é uma necessidade. hoje não consegui. e não achei ruim. passei um curto espaço de tempo na cama sem conseguir me mexer. apenas veio de maneira insistente você ao meu lado, sentada em uma cadeira de estacas de madeira brancas no terraço da casa da silva paulet, com os pés trepados na mesinha de centro, numa tarde fresca dessas que ja não existem mais. aposto que eu tinha insistido mil vezes para ir pra fora e você deve ter dito: nanoca, vamos quando o sol esfriar. e fomos. enquanto eu brincava no chão: blocos, confusão, bonecas com o cabelo defenestrado por alguma tesoura sem ponta, você apenas lia, olhava o tempo ou fumava seu carlton. também fiquei a pensar em uma tarde muito esquisita no monte klinikum, quando, depois de uma injeção inadequada, passei perto de morrer. lembro de ter aberto os olhos e ter visto 3 pessoas ao meu redor. todos médicos amigos seus que não tinham diretamente nada a ver com o problema mas que junto com você não saíram dali até garantir que eu voltaria pra casa quase do mesmo jeito que tinha entrado no hospital. lembro de ter segurado sua mão até dormir, já em casa, enquanto pensava: não morri.
também é insistente a lembrança de quarta-feira passada, quando comemoramos o dia das mães antecipado com a presença ilustre do seu filho, o primeiro, o que mora longe. chegou para o jantar. chegamos com vinho. você tinha feito a mesa da maneira mais bonita e quando viu que no começo da noite a gente se amontoava na cozinha como sempre, soltou uma de suas máximas: "saiam da cozinha, umbora pra varanda!", e eu pensei: estou em casa. nós, os cinco. ninguém mais. a terezinha, aliás. mas nós, que representamos definidamente uma coisa primária chamada estrela de cinco pontas, que hoje já se desdobra em mais casas, mais famílias, netos, outros sobrenomes que chegam. lembro dos gritos do jonas quando alguém falava alguma coisa que deixasse ele feliz. qualquer coisa. como quando a terezinha entrou na varanda com uma bandeja repleta de pequenas tacinhas com um fumegante caldo de peixe. vinho fazendo efeito, gritávamos: UM BRINDE À TEREZINHA, seguidos de um grito uníssono e quase furioso: EEEEEEEEEEEEEEEEE. e ríamos. papai narrou de maneira brilhante toda a história do problema do imposto de renda, tirou fotos, você olhava pra gente, pra cada um, como se estivesse entendendo exatamente o mesmo que eu: que não poderia ter havido um dia mais simbólico para resumir todos os dias das mães até hoje. a varanda iluminada, um dia de semana comum, papai com a câmera na mão (e uma ideia na cabeça), milena na janela vendo o tempo e ouvindo tudo simultaneamente com seu ouvido especial dos que falam pouco, jonas e eu na aceleração constante do corpo que não nos deixa. e a terezinha de maneira quase solene cozinhando um peixe fresco que você procurou num mercado cujo nome do dono você decorou, de onde vem o peixe você sabe. você sabe de todas as coisas.
penso também no seu arquivo. no seu cuidado com as coisas que guarda, por afeto, por nada, não. guarda porque ACHA BONITO, porque constroi por afeto a memória que só interessa a nós. e não há nada no mundo mais valioso pra mim que isso. fico pensando às vezes que você não se dá conta do seu metodismo quase bibliotecário. das listas (de presentes, de aniversários, de contas, de convidados, de CREDORES (oi?), de toalhas, de lençois, de fronhas. as caixas, o baú específico para documentos perenes, as pastas, os livros, as enciclopédias e seus amados bordados, suas rendas, seus guipir, seu resto de retalhos e finalmente seus recortes, seus bem cuidados recortes. penso no valor do seu arquivo. no amor que eu tenho por todas as coisas que você guarda. uma vez caí no choro num dia útil ordinário e livre quando fui almoçar na sua casa e achei um velho conhecido caderno azul que você começou a escrever em abril de 1970, em uma parte que começa assim: jonas, meu querido filho. lembro que quando criança tinha um ciúme horrível do caderno do jonas. (sei que eu também tenho o meu, mas tinha a mania de querer você só pra mim, o que não é um sentimento incomum em todos os lares do brasil). chorei. lamentando profundamente porque não estive sempre aqui, porque não vi você de farda do hospital de saúde mental, porque não assisti ao seu casamento do primeiro banco da igreja de fátima, porque não segurei a milena quando era criança "do tamanho de um pão de quinhentos" segundo a história contada pelo papai. mas vocês são tão diferentes de tudo, que é como se eu tivesse vivido tudo. visto tudo. visto o jonas se engasgar com o canudo em 1975. visto a farda do colégio pequeno astronauta. visto a milena cair de cima do toco de árvore e rasgando a coxa num copo quebrado em 1980, e enquanto dava escândalo no hospital o médico perguntou se ela era filha única. é como se eu tivesse visto a milena no parque da criança, com seu cabelo de índiazinha penteado pela maria antônia, com seu lenço na cabeça, sua limpeza absoluta, sua austeridade russa. só você pode manter viva uma memória em mim que não vivi. foi com você que aprendi o valor de apreender as coisas para que elas jamais morram. foi você que me ensinou a contar histórias, a amar sem medida, a guardar indiscriminadamente tudo o que eu pudesse não jogar fora (RITACARRETEL), até que um dia acordasse, vestisse uma camisola limpa e começasse a tentar dar fim pelo menos nas notas fiscais, nos papeis sem importância, nos bilhetes de caligrafia ruim. e no meio do amontoado de papeis que junto, vejo sempre alguma coisa que não pode ir embora. você me ensinou até a pensar sobre o que não pode ir embora, o que precisa ficar.

feliz dia das mães. por favor, continue corrigindo minha postura, continue me pedindo para escrever coisas mais felizes, continue lendo meu disparate, continue fazendo meu arquivo, continue pedindo pra que eu não deixe ninguém por aí mexer na minha sobrancelha, continue me ligando para saber onde estou, o que farei, que horas acordei. continue tentando, continue falando comigo sobre a dilma, sobre a novela. continue me mandando economizar.
sei que você sente muito calor. sei que você se machuca. sei que às vezes eu ocupo espaço demais. mesmo assim, vou continuar abraçando você com aquela força que te faz me abraçar de volta mais forte ainda, mas que quando vê que eu não vou soltar, diz: ESPERA, MULHER. TU QUER É ENTRAR DENTRO DE MIM DE NOVO, É?


Mariana, mari, ana
meu amor,
Que bom receber este presente de você no dia das mães. Sempre falo que dia de mãe
é todo dia, mas nunca escondi que adoro receber bilhete, email, cartão, qualquer tipo
de " escrito " de vocês: meus filhos amados. Eles chegam de mansinho, não precisa de uma data especial e as vezes dou mais valor do que um presente comprado na loja. Li, reli, chorei de alegria e tive muita saudade. Não uma saudade de perda, de tristeza. É uma saudade farta, generosa se posso dizer assim. E incrível como você percebeu aquele momento em que eu olhava para cada um de vocês naquela hora de alegria.
E é por isso que guardo, que curto fazer nossos arquivos e decidi que preciso de mais tempo, tenho muita coisa para organizar. Lemos juntas eu e Mila e Jonas telefonou as gargalhadas vibrando com esses grãos de felicidade que colecionamos a cada dia. Hoje seu pai pediu para ler de novo e deu aquelas gargalhadas de quando está feliz.
Te amo
beijo da Ritinha

e