domingo, setembro 19, 2010

Beatriz senta todo dia 12 na cadeira de balanço da varanda. O giro que
muda o canal da TV já não funciona mais. Seu pó de arroz foi esquecido
no fundo armário e a raiz branca do cabelo toma o lugar de suas mexas
louríssimas herdadas da desastrosa raça formada em seu interior com o
resultado dos índios nativos e dos holandeses recém-desembarcados.
Beatriz se lembra de Teixeira, e de quando na hora marcada, sem ajuda
do gmail, do celular, do twitter, das temidas direct messages ou de um
sinal de fumaça, ele aparecia no parapeito da sua janela. Teixeira,
que nunca faltou. Teixeira, que só podia vê-la à tarde mas nunca
faltou um dia doze de junho naquela varanda quente da Aldeota. Alguns
parcos doces ali da Leite Albuquerque, um vidro de almíscar, um botão
de rosa ainda fechado da Praça do Hospital Militar. Mas ele chegava.
Blusa engomada, vindo da repartição, um cheiro de dia, de trabalho, de
frescor. Teixeira ficava até a luz mudar, até o dia cair, até a hora
em que precisava, quase como num susto, ver os filhos e a felizarda
oficial esposa, no papel e na contracapa da coluna social. Teixeira
cheirava os cabelos louros de Beatriz e dizia: Loura, meu coração fica
contigo. E se ia. Todas as amigas carolas da Igreja do São Vicente,
por mais nascidas nos 20 que fossem, aceitavam o Teixeira. Todo mundo
mandava bolo pro Teixeira tomar com café, um baralho novo pra casa de
Beatriz pra esperar o Teixeira para o carteado e uma caneta nova pro
Teixeira despachar na repartição. Um dia, em 1998, não se sabe
direito, Beatriz, o cabelo ainda cheirando à tintura bigen na raiz,
sentou na varanda, e o Teixeira não veio. O filho veio buscar mais
tarde:
- Você é Beatriz? Papai quer vê-la.
No carro com o primogênito de seu amado, ela teve vontade de dizer: -
Seu dente de leite caiu em 74. Você odeia queijo. Você era o melhor
aluno da sala. Teixeira finje que Natália é a favorita mas gosta mesmo
é de você. Você também tem uma namorada. Você é um bom rapaz. Mas se
limitou a perguntar:
- Você é quem?
E até hoje Beatriz lembra da cena no hospital, do Teixeira entre a
vida e a morte prometendo a Beatriz que no céu não tem essa besteira
de exclusividade, e que a Planaltina haveria de entender que não era
problema se os três vivessem felizes para sempre no reino dos céus.
Bordando, permanece na varanda pensando no cheiro de trabalho que o
Teixeira exalava. Hoje Beatriz sentiu um arrepio que começou no pé, e
deu um grito ensurdecedor que acordou a Torres Câmara da siesta
sagrada:
- Mamãe! O Teixeira.


Mariana escreveu este texto junto a outros que escreveu para a revista Aldeota. Não sei porque este foi excluído. Parte dessa história é real e foi vivida por uma amiga minha de coração.