Foi do silêncio da banca de revistas que a bala enlouquecida saiu e virou notícia no corpo do amigo querido, sacrificado ao sol do quase meio-dia, no asfalto bem menos negro que a mão assassina que o fez tombar, desprevenido como uma criança.
Nunca o imaginei prematuramente adormecido entre flores brancas, iluminado por círios de pesadas lágrimas, as mãos inertes, desapoiadas da vida, ele que a buscava em toda parte, em todas as manifestações de seu ser sensível e apaixonado.
Sua voz de comando perdeu-se no silêncio, porém os ecos persistiam nos ouvidos de quem costumava escutar a sinceridade das palavras de seu estabanado coração.
A Casa Amarela, que despontara dourada sob as irradiações de seu criador, perdeu hoje o brilho,diminuiu, encolheu-se fria, na desolação, com suas janelas espantadas diante do terrível suspense.
“ Desolação e desencanto.”
“ Queda e desamparo.”
A altivez do amigo era a sua necessidade de não calar ante a injustiça e a mentira, de não aceitar a convivência com falsos valores em desarmonia com os verdadeiros, sufocando a Arte a quem respeitava acima de tudo.
Seus primeiros poemas da juventude eram líricos e sequiosos de paz para o mundo. Acreditava que um dia chegaríamos lá, não sem luta, muita luta, não sem gritar e exigir dos opressores os nossos direitos.
Era e é necessário assimilar Maiakówski.
Se a gente vai sendo ultrajado sem nada reclamar, pacientemente, eles entram em nossas casas e matam nosso cão, esmagam nossas flores, e porque não dissemos nada, eles escreverão nossa sentença de morte.
Meu Deus do céu, há violência demais nesse planeta! Impossível caminhar de frente se a cada lado da estrada há armadilhas e os campos todos estão minados.
A vida de Eusélio era uma vida incomum, de um homem incomum. Seus horizontes eram largos demais, sua vontade era forte demais, seus impulsos todos valiam como verdade, verdade sem subterfúgios.
Deverá estar filmando, a essas horas, os crepúsculos sangrentos desse planeta chagado, cheio de ódios, porém com a mente leve, com a Câmara mais ousada, e o coração liberto das impurezas que campeiam por aqui.
Glice Sales Alcântara
Hoje, mexendo nas gavetas encontrei este texto, impresso no jornal Acla em Ação- dezembro de 2006, me foi dado pela minha querida amiga Mirza Alcântara .
[ Glice é cunhada de Mirza, mulheres inteligentes e guerreiras.
Não foi por acaso, imediatamente lembrei que amanhã 26 de setembro, completa 16 anos que Eusélio Oliveira foi assassinado por um animal chamado Rufino e que nunca ficou um dia na prisão. Coisas da Justiça Brasileira. Impossível não lembrar desse tempo com um sentimento de profunda tristeza.