quarta-feira, setembro 27, 2006

De Lourdes era alta, magra, elegante, olhos pretos, lábios grossos e muito bem delineados, cabelos crespos. Não sei precisar quanto tempo trabalhou na casa do meu avô, era considerada por todos uma exímia cozinheira, mas, nas minhas doces lembranças ela era mesmo uma exímia cantora. Sua voz era afinada, doce e sempre despertava a atenção da menina de sete anos que, com ela, começou a aprender a gostar de boa música. Sempre estava cantando enquanto trabalhava, e eu ficava sentadinha, ouvindo com atenção as suas interpretações... Lupicinio Rodrigues era o seu preferido, Antonio Maria, Xico Alves, Noel Rosa, Orlando Silva e outros. O meu preferido ficou sendo o Noel.
Tenho a sensação de que os adultos daquele casarão não prestavam muita atenção a menina, com exceção dos horários da escola, alimentação, roupas, banho... Quando as madrugadas eram frias, era na rede dela que eu me acolhia. Quando fazia os doces de leite naqueles tachos de ágata vermelho, era minha a preferência para raspar a panela do doce ainda quentinho e nunca se aborreceu com a menina inquieta, que queria a todo custo aprender todas as letras cantadas por ela.
Quando fiz quinze anos ela veio morar conosco em Fortaleza durante algum tempo, depois foi trabalhar em Brasília e, em seguida, Blumenau, onde mora com filhos e netos. Penso que já deve ter seus setenta e alguns anos, mas segundo sua filha, ainda continua cantando e certamente afugentando com seu canto os dias frios daquela bonita cidade.
No ano passado mandei para ela o livro "Nós, os estudantes", de Mariano, e me senti feliz quando ela, ao agradecer, assim falou:" Ele é o primeiro escritor da minha família." Mariano também aprendeu com ela e ainda hoje, quando estamos juntos que toca alguma música que nos faz lembrar daquele tempo, Mariano solta aquela gargalhada que só ele sabe dar.
De Lourdes, você é uma das muitas lembranças que guardo com cuidado na minha caixinha de saudades.

Escrevi este texto há dois anos. Há poucos dias soube que De Lourdes virou mais uma estrela. Estrela cantante.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Oi Ritinha,
So para dizer que passei por aqui.
Como assim virou estrela? Nao entendi.
Te amo

27 setembro, 2006 19:30  
Anonymous Anônimo said...

Meu amor,

Quando as pessoas que amo se vão definitivamente, na minha imaginação elas se tornam estrelas. E essas estrelas, são "sentidas" a partir das histórias que construíram por aqui, entendeu?

te amo muito.

beijão da Ritinha

28 setembro, 2006 11:57  
Blogger Marcelo Dutra said...

Ritinha
Você tem sabido descrever pessoas com maestria incomparável. Incrível como após um texto desses a gente sente como se tivesse conhecido a pessoa.
As estrelas que você descreve certamente permanecem no céu, a iluminar os que aqui aguardam sua hora.
Abraços...Marcelo

28 setembro, 2006 15:32  

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