sábado, julho 22, 2006

Homenagem II

Hoje encontrei a carta que meu tio Firmino escreveu quando vovô recebeu o titulo de cidadão tauaense. Resolvi postar aqui é um outro momento vivido por mim guardado com imenso carinho.

Fortaleza,15 de novembro de 1977


Meu pai,

Fiquei muito contente quando soube que os teus atuais conterrâneos e irmãos da Maçonaria iam promover uma festa para entrega do titulo da tua nova cidadania. No mesmo dia recebi carta de um maçon,indagando se eu não podia escrever algumas reminiscências da tua vida que também é minha e dos teus filhos.

Fiquei matutando e volvi meus pensamentos na direção do passado, até onde pude chegar, e a lembrança mais remota é das conversas que ouvia entre pessoas mais velhas da tua viagem a cavalo do sertão da Paraiba às margens do Tocantins, na fronteira do Maranhão com Goiás, empreendida logo após o falecimento, em 1918, da minha santa mãe. Uma viagem que - diziam - LEVARA UM ANO MENOS 3 DIAS.
Aí eu já começava a ver na tua figura qualquer coisa de legendário, qualquer coisa que me fazia brotar um cert orgulho infantil, pela força indômita que meu pai tinha.

Depois vieram fatos já minha adolescência. Assim é que me vejo de repente numa calçada alta, de casa de esquina, teu único imóvel na pequena vila de Inhuma. Ias chegando de uma viagem, àquele tempo longa, a Senador Pompeu, e algumas horas após chegares, já falavas com entusiasmo da nova cidade para onde deveríamos nos mudar em breve. Era Tauá. O Tauá que segundo o professor Moreira, que aqui conhecemos acordava e adormecia à sombra do Quinamuiú... Com os meus 12 anos já era capaz de sentir as emoções da mudança, o que não ocorria com o resto dos manos, que ainda não eram tantos como hoje.

Daí por diante, a mudança para Tauá tornou-se o assunto " lá de casa "... E decorrido algum tempo, que não posso precisar, deixa Inhuma aquele cortejo que se assemelhava bem a um grupo de ciganos. Era bonito ver a agilidade e o desempenho do chefe da tribo. Alguns dias depois acampávamos a uma légua da cidade,exatamente no " Barbosa " e me lembro bem quando deixaste-nos ali por algumas horas enquanto ias à cidade procurar uma casa. E antes do entardecer, já o tinhamos de regresso, de casa alugada. Um fato aparentemente sem importância, mas que hoje me revela mais a prova da tua tenacidade, porque não é todo homem que em algumas horas pode entrar numa cidade onde não conhece ninguém e alugar uma casa, assim " na marra ", no " peito " como se diz hoje.

Era uma casa que chamavam " Casa da Castanhola " ali do outro lado do Tricy. Eu mesmo tentei num dia desses localizá-la, e não consegui. Nunca esqueci de um moço que lá morava com seus familiares. Chamava-se Sóter, era moreno e forte. Acho que criava uma siriema em casa.
A maior lição que recebi na vida, foi tu que me destes. Aprendi a trabalhar, e, sem falsa modéstia, sempre o fiz com muito gosto, prova que a lição foi mbem administrada. Lembraste de quando uma vez, numa viagem a Valença, faltou um homem na " tripulalção " do teu comboio ? E que eu me ofereci para preencher a vaga ? Gostei porque nem duvidou de mim , e partimos, todos montados. Mas no regresso, para aproveitar com uma carga o animal que me levara, voltei a pé.

E confesso que não era um trabalho dificil. No percurso da viagem dormimos uma vez ao relento, sono solto e corrido, até gostoso pelo repouso que o corpo ganhava depois do esforço físico. Até que assoma uma pontinha de saudade...
Lembro-me ainda que um dia já de madrugadinha, acordei quando estavas a me proteger do frio com um lençol. E eu fingia continuar dormindo, fruindo as benesses daquele aconchego do teu gesto de pai extremoso. Isso me compensava de tudo.

Desses tempos, ainda não eras ainda nem quarentão, são muitas e imorredoiras as lembranças. Entravas em casa, ágil e desempenado, e quando algo que não era bom ocorria, dizias em tom de blague, é verdade, mas no fundo no fundo era mesmo o que sentias:" Não tem nada não. Desgraça pouca é tiquim "

Não posso dessassociar desses momentos a figura de Laura, tua segunda companheira na vida, e segunda mãe para mim e a mana Rita. Hoje sentimos como soube se colocar bem entre os enteados e seus próprios filhos. Na tua casa aquele conhecido adágio popular que diz que " madrasta só o nome basta "não funcionou. Entre nós todos nunca houve um atrito sério.

Pois olhe, são estes pequenos acontecimentos do dia-a-dia na verdade construtores da nossa felicidade. Se alguma vez sofrimentos rondaram a nossa porta, quem não os teve na vida ? Enchemo-nos todos nós de alegria, porque ainda o temos ao nosso lado, com aquele mesmo comportamento austero, mas afável, que te acompanhou a vida inteira.
Também me agrada muito ver que contas permanetemente com a presença dessas duas " coroas ", as filhas que por ti não são somente capazes de morrer, mas até de matar...

Meu pai sei que esperavas que eu fosse pessoalmente te abraçar. Infelizmente quando soube da festa já tinha compromisso num estado vizinho e não podia adiá-lo. Confesso que também não procurei fazer esse adiamento, porque as nossas afinidades são tão profundas, que receiava ser traido pela emoção.
Agora, meu pai, permita que seja eu quem diga: Deus te abençõi
um beijo

Francisco Firmino

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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»

11 agosto, 2006 07:54  

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