domingo, janeiro 18, 2009

30 de Novembro de 2008

nunca dormi só quando criança. rita me embalava numa rede branca, nos idos da silva paulet 2670. na ana bilhar, rita me embalava numa rede branca. depois os braços morenos do josé iam me pegar no colo, me levar pro meu lugar, me dar um copo de leite com nescau. e, adormecida, enganada, eu ficava quieta com meu sono solitário.
rita tinha um repertório fixo, nunca inventava moda, nunca trazia cantoria indédita. e era bom, que eu decorava as mais bonitas. nunca tive vontade de dormir quando ela cantava "a banda", o sono ia embora, eu só queria saber o que acontecia depois que a banda passasse. sempre tive vontade de chorar quando ela cantava "sertaneja" com a voz forte e grave. de vez em quando, vinte anos depois, acordo pensando em alguma música do repertório. semana passada, lembro que acordei de manhã como se tivesse sonhado com o embalo, a voz dela cantando o dia todo no meu ouvido: "as velas do mucuripe vão sair para pescar". e essa semana eu vi o mucuripe e as velas saindo para pescar.
hoje acordei com o peito apertado que só, pensando não sabia por que em uma música antiga, que só tinha versos soltos na minha cabeça, e o começo da cantoria. aí comecei a ouvir a voz dela cantando, e entendi. de vez em quando lembro de mais música em pedaços: vem meu menino vadio, vem sem mentir pra você. o clássico dos embalos.
chega já o natal. a minha casa não se enfeita como a dela. árvores, filhos, netos, coisas, as luzinhas daqui de casa não piscam. mas três bonecos de neve fingem subir uma escada pendurados no armador, em madeira e pelúcia. um enfeite de casa chique. ganhei de presente de foz do iguaçu. e também temos uma árvore de natal lúdica de madeira, vinte centímetros de altura. ficou bom, é bonita.

e pra rita, vai embaixo a música que acordou hoje no meu ouvido na voz dela, cantando baixinho, com toda a paciência do mundo, até que eu caísse no sono.
(um dia desses, vi um lp do chico buarque de 1968 dedicado dele pra ela. "nega, aqui está o lp da música que você gosta" escrito na capa de caneta azul. hoje descobri que essa música também estava nesse mesmo lp. deve ser por isso que fazia parte do repertório fixo dela.)

O velho - Chico Buarque Lindo

O velho sem conselhos
De joelhos
De partida
Carrega com certeza
Todo o peso
Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor
A vida iteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira
Que ele não brincou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar

O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívida, sem saldo
Sem rival
Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me diz que sempre se escondeu
Não se comprometeu
Nem nunca se entregou
E diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar

O velho vai-se agora
Vai-se embora
Sem bagagem
Não sabe pra que veio
Foi passeio
Foi passagem
Então eu lhe pergunto pelo amor
Ele me é franco
Mostra um verso manco
De um caderno em branco
Que já fechou
Me diga agora
O que é que eu digo ao povo
O que é que tem de novo
Pra deixar
Não
Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar

boa noite
Postado por barbra brusk

Ontem recebi o Transatlântico, livro da Mariana que deverá ser lançado brevemente. Li a dedicatória :

para a Rita e
o que seus olhos vêem.

e o mapa da Fortaleza,
que cobre e se descortina.



e lembrei deste texto que escreveu em novembro passado. Algumas vezes me chama de Rita no
começo estranhei, agora até acho que ainda nos aproximou mais. Na outra página escreveu:
Mãe,
Sua dedicatória é a maior de todas. Esse livro,
apesar de ser uma ficção, sou eu. É meu 2008.
O último capítulo é nada mais que o resultado do
que você me criou prá ser.
Ver a vida como você vê é ver a vida com garra,
com o " couro grosso ", com coragem, atitude,
otimismo e um tanto da praticidade que você imprime.
Essa Fortaleza que tem aí é o nosso lugar,
as coisas que estão perto de nós. E essa história de amor
e desencontro é só uma ilustração da impossibilidade.
Te amo muito. Já repito sempre que você é minha vida
inteira, minha essência, meu tudo, a extensão de mim.
beijo da Mari